quarta-feira, 8 de maio de 2013

Simplicidade, Felicidade


Simplicidade...Felicidade...
Ser como as rosas, o céu sem fim,
a árvore, o rio...Por que não há de
ser toda gente também assim?

Ser como as rosas: bocas vermelhas
que não disseram nunca a ninguém
que têm perfumes...Mas as abelhas
E os homens sabem o que elas têm!

Ser como o espaço que é azul de longe,
de perto é nada...Mas quem vê
- árvores, aves, olhos de monge... –
busca-o sem mesmo saber por quê.

Ser como o rio cheio de graça,
que move o moinho, dá vida ao lar,
fecunda as terras...E, rindo, passa,
despretensioso, sempre a cantar,

Ou ser como a árvore: aos lavradores
Dá lenha e fruto, dá sombra e paz;
Dá ninho às aves; ao inseto flores...
Mas nada sabe do bem que faz.

Felicidade – sonho sombrio!
Feliz é o simples que sabe ser
Como o ar, as rosas, a árvore, o rio:
Simples, mas simples sem o saber!

(Guilherme de Almeida)


domingo, 31 de março de 2013

VASO CHINÊS



EstÌanho mimo aqueÌe vaso! Vi-o,
Casualmenteu, ma vez, de um Perfumado
Contador sobre o mármoÌ Ìuzidio,
Entre um leque e o começo de um bordado.

Fino artista chinês, enamorado,
Nele pusera o coração doentio
Em rubras flores de um sutil lavrado,
Na tinta ardente, de um calor sombflo.

Mas, talvez por contraste à desventuÌ4
Quem o sabe?..d. e um velho mandarrm
Também lá estava a singular figura;

Que arte em pintá-lâ! a Sente âcaso vendo-a
Sentia um não sei quê com aquele chim
De olhos cortados à feição de amêndoa

VASO GREGO



Esta de áureos relevos, trabalhada
De divas mãog brilhante copa um dia,
Já de aos deuses seriÌ como cansada
Vinda do Oìimpo, a um novo deus servia.

Era o poeta de Teos que a suspendra
Então, e, oÌa repleta ora esvazada
A taça amiga aos dedos seus tinia
Toda de roxas pétalas colmada.

Depois... Mas o lavor da taça admiÌa
Toca-4 e do ouüdo aproximando-a, às bordas
Finas hás de lhe ouvix, canora e doce,

' Ignota voz, qual se da antiga lira
Fosse a encantada música dâs coÍdas,
Qual se essa voz de Anacreonte Íosse.

NUM TREM DE SUBÚRBIO



No trem de ferro wimo-nos um dia,
I amamo-nos ioi obra de um momento,
Tudo rápido, como a ventania,
Como a locomotiva ou o pensamento.
Amo-te!
- Adoro-te!
A estdçàop rimejra
Surge. Saltamos nela ao sorn de um berro.
Nosso amoX, numa nuvem de poeira,
Tinha passado, como o trem de ferro.

FLOR SANTA



Entre as ruínas de um convento
De uma coluna quebrada
Sobre os destÌoços, ao vento
Vive uma flor isolada.
Através de Íérrea grade
Espiando ao longe e em redor,
Que olhar de amor e saudade
No cálix daquela Ílor!
Diz uma lenda que outrora
Dentre as fÌeiras a mais bel4
Morta âo despontar da aurora,
Fora achada em sua ceÌa.
Ao irem em terra ÍÍia
O Írio corpo depor,
Sobre coluna que havia
A um lado, nascera a flor
E a lenda refere ainda:
Assim que o Ìuar apaÌece,
Da flor animada e linda
No cálix se ouve uma Prece
Reza...E medrosa,e encolhida
A um canto, pálida a cox,
Toda no céu embebid4
Vendo-o, talvez, pobre flot!
Parece, tão branca e pura,
Tão franzina e desmaiada,
Uma fteira em miniatura
Nas pedras ajoelhada.

Resumo do livro: Vestido de Noiva Autor: Nelson Rodrigues



            A peça, Vestido de Noiva, tem, em seu cenário, três planos que se intercalam: o plano da alucinação, o plano da realidade e o plano da memória. Alaíde, moça rica da sociedade carioca, é atropelada numa das noites do Rio. No plano da realidade, jornalistas correm para se informar e publicar em seus jornais o fato, enquanto médicos correm para salvar o corpo inerte da mulher, jogada numa mesa de operação, entre a vida e a morte.
            No plano da alucinação, Alaíde procura por uma mulher chamada Madame Clessi, sua
heroína, que foi assassinada no início do século, vestida de noiva, pelo seu namorado. As duas se encontram e conversam. Um homem acusa Alaíde de assassina, e ela revela a Madame Clessi que assassinou o marido Pedro com um ferro após uma discussão.
            No plano da memória reconstitui a cena. Mais tarde, ambas percebem que o assassinato de Pedro não passou de um sonho de Alaíde. Enquanto os médicos tentam quase o impossível para salvá-la da morte no plano da realidade, Alaíde e Madame Clessi conversam no plano da alucinação, tentando se lembrar do dia do casamento da primeira, e de duas mulheres que estavam presentes enquanto Alaíde se preparava para a cerimônia. A mulher de véu e uma moça chamada Lúcia. Ambas são, na verdade, a mesma pessoa, a irmã de Alaíde, que reclama o fato desta ter lhe roubado o namorado.
            Segue-se uma série de intercalações entre os planos: no plano da realidade, o trabalho
dos médicos para reanimar Alaíde, e dos jornalistas querendo informações sobre a tragédia do atropelamento. Nos planos da alucinação e da memória, a história de Madame Clessi, com seu namoro com um jovem rapaz e sua morte, se funde com a de Alaíde no dia do casamento com Pedro.
            Segue-se a discussão com Lúcia minutos antes da cerimônia, que a acusa violentamente
de ter lhe roubado o noivo. O casamento acontece, e Alaíde se vê vítima de uma conspiração entre Lúcia e Pedro, que pretendem matá-la para ficarem juntos. No plano da realidade, Alaíde morre na mesa de operação. Enquanto Alaíde assiste com Madame Clessi cenas de seu enterro e de sua discussão com Lúcia momentos antes do atropelamento, quando jura que mesmo morta não a deixaria ficar com Pedro. Lúcia, no entanto, casa-se com Pedro, mesmo tendo em sua mente a imagem de Alaíde com seu vestido de noiva.

sábado, 30 de março de 2013

Vaiamos, irmãa, vaiamos dormir


Vaiamos, irmãa, vaiamos dormir
[en] nas ribas do lago, u eu andar vi
a las aves meu amigo.
Vaiamos,irmãa, vaiamos folgar

[en] nas ribas do lago, u eu vi andar
a las aves meu amigo.
En nas ribas do lago, u eu andar vi,
seu arco nas man'as aves ferir,

a las aves meu anigo.
En nas ribas do lago, u eu vi andar,
seu arco na mãao a las aves tirar,
a las aves meu amigo.

Seu arco na mãao as aves ferir,
alas que cantavan leixá-las guarir,
a las aves meu amigo.

Se arco na mãao as aves tirar,
a las que cantavam nom nas quer matar,
a las aves meu amigo.

Fernando Esquio , (CV902,CBN 1246)

Vaiamos- vamos
ribas - margens
u - onde
tirar - atirar
guarir- deixá-las sem ferida

Um soneto começo em vosso gabo


Um soneto começo em vosso gabo;
Contemos esta regra por primeira,
Já lá vão duas, e esta é a terceira,
Já este quartetinho está no cabo.

Na quinta torce agora a porca o rabo:
A sexta vá também desta maneira,
na sétima entro já com grã canseira,
E saio dos quartetos muito brabo.

Agora nos tercetos que direi?
Direi, que vós, Senhor, a mim me honrais,
Gabando-vos a vós, e eu fico um Rei.

Nesta vida um soneto já ditei,
Se desta agora escapo, nunca mais;
Louvado seja Deus, que o acabei.

Gregório de Matos

Todo ponto de vista é a vista de um ponto



"Ler significa reler e compreender. Cada um lê com os olhos que tem. E interpreta a partir de onde os pés pisam. Todo ponto de vista é a vista de um ponto. Para entender como alguém lê é necessário saber como são seus olhos e qual a sua visão de mundo. Isso faz da leitura sempre uma releitura. A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam. Para compreender é essencial conhecer o lugar social de quem olha. Vale dizer: como alguém vive, com quem convive, que experiência tem, em que trabalha, que desejos alimenta, como assume os dramas da vida e da morte e que esperanças o animam. Isso faz da compreensão sempre uma interpretação. Sendo assim, fica evidente que cada leitor é sempre um co-autor. Porque cada um lê e relê com os olhos que tem. Porque compreende e interpreta a partir do mundo que habita."

Leonardo Boff


A expressão "com os olhos que tem" (? .1), no texto, tem o sentido de

(A) enfatizar a leitura.
(B) incentivar a leitura.
(C) individualizar a leitura.
(D) priorizar a leitura.
(E) valorizar a leitura.

Texto I e II


Carta (Texto I)
(Fragmento)

A terra não pertence ao homem; é o homem que pertence à terra. Disso temos certeza. Todas as coisas estão interligadas, como o sangue que une uma família. Tudo está relacionado entre si. O que fere a terra fere também os filhos da terra. Não foi o homem que teceu a trama da vida: ele é meramente um fio da mesma. Tudo que ele fizer à trama, a si próprio fará. Carta do cacique Seattle ao presidente dos EUA em 1855.

Texto de domínio público distribuído pela ONU.
Dicionário de Geografia  (Texto II)
(Fragmento)

Segundo o geógrafo Milton Santos: "o espaço geográfico é a natureza modificada pelo homem através do seu trabalho". E "o espaço se define como um conjunto de formas representativas de relações sociais do passado e do presente e por uma estrutura representada por relações sociais que estão acontecendo diante dos nossos olhos e que se manifestam através de processos e funções".

GIOVANNETTI, G. Dicionário de Geografia. Melhoramentos, 1996.

Os dois textos diferem, essencialmente, quanto

(A) à abordagem mais objetiva do texto I.
(B) ao público a que se destina cada texto.
(C) ao rigor científico presente no texto II.
(D) ao sentimentalismo presente no texto I.
(E) ao tema geral abordado por cada autor.

Tempo Será:



A Eternidade está longe
(Menos longe que o estirão
Que existe entre o meu desejo
E a palma da minha mão).

Um dia serei feliz?
Sim, mas não há de ser já:
A Eternidade está longe,
Brinca de tempo-será.

(Manuel Bandeira)

Soneto de contrição



Eu te amo, Maria, eu te amo tanto
Que o meu peito me dói como em doença
E quanto mais me seja a dor intensa
Mais cresce na minha alma teu encanto.

Como a criança que vagueia o canto
Ante o mistério da amplidão suspensa
Meu coração é um vago de acalanto
Berçando versos de saudade imensa.

Não é maior o coração que a alma
Nem melhor a presença que a saudade
Só te amar é divino, e sentir calma...

E é uma calma tão feita de humildade
Que tão mais te soubesse pertencida
Menos seria eterno em tua vida.

Vinicius de Moraes

Soneto da rosa tardia



Como uma jovem rosa, a minha amada...
Morena, linda, esgalga, penumbrosa
Parece a flor colhida, ainda orvalhada
Justo no instante de tornar-se rosa.

Ah, porque não a deixas intocada
Poeta, tu que es pai, na misteriosa
Fragrância do seu ser, feito de cada
Coisa tão frágil que perfaz a rosa...

Mas (diz-me a Voz) por que deixá-la em haste
Agora que ela é rosa comovida
De ser na tua vida o que buscaste

Tão dolorosamente pela vida ?
Ela é rosa, poeta... assim se chama...
Sente bem seu perfume... Ela te ama...

Vinicius de Moraes

Sociedade



O homem disse para o amigo:
— Breve irei a tua casa
e levarei minha mulher.

O amigo enfeitou a casa
e quando o homem chegou com a mulher,
soltou uma dúzia de foguetes.

O homem comeu e bebeu.
A mulher bebeu e cantou.
Os dois dançaram.
O amigo estava muito satisfeito.

Quando foi hora de sair,
o amigo disse para o homem:
— Breve irei a tua casa.
E apertou a mão dos dois.

No caminho o homem resmunga:
— Ora essa, era o que faltava.
E a mulher ajunta: — Que idiota.

— A casa é um ninho de pulgas.
— Reparaste o bife queimado?
O piano ruim e a comida pouca.

E todas as quintas-feiras
eles voltam à casa do amigo
que ainda não pôde retribuir a visita.

Carlos Drummond de Andrade, in 'Alguma Poesia'

Senhora (Fragmento)

Aurélia passava agora as noites solitárias. Raras vezes aparecia Fernando, que arranjava uma desculpa qualquer para justificar sua ausência. A menina que não pensava em interrogá-lo, também não contestava esses fúteis inventos. Ao contrário buscava afastar da conversa o tema desagradável. Conhecia a moça que Seixas retirava-lhe seu amor; mas a altivez de coração não lhe consentia queixar-se. Além de que, ela tinha sobre o amor idéias singulares, talvez inspiradas pela posição especial em que se achara ao fazer-se moça. Pensava ela que não tinha nenhum direito a ser amada por Seixas; e pois toda a afeição que lhe tivesse, muita ou pouca, era graça que dele recebia. Quando se lembrava que esse amor a poupara à degradação de um casamento de conveniência, nome com que se decora o mercado matrimonial, tinha impulsos de adorar a Seixas, como seu Deus e redentor.

Parecerá estranha essa paixão veemente, rica de heróica dedicação, que entretanto assiste calma, quase impassível, ao declínio do afeto com que lhe retribuía o homem amado, e se deixa abandonar, sem proferir um queixume, nem fazer um esforço para reter a ventura que foge. Esse fenômeno devia ter uma razão psicológica, de cuja investigação nos abstemos; porque o coração, e ainda mais o da mulher que é toda ela, representa o caos do mundo moral. Ninguém sabe que maravilhas ou que monstros vão surgir nesses limbos.


ALENCAR, José de. Capítulo VI. In: __. Senhora. São Paulo: FTD, 1993. p. 107-8.


O narrador revela uma opinião no trecho

(A) "Aurélia passava agora as noites solitárias.
(B) "...buscava afastar da conversa o tema desagradável.
(C) "...tinha impulsos de adorar a Seixas, como seu Deus.
(D) "...e se deixa abandonar, sem proferir um queixume.
(E) "Esse fenômeno devia ter uma razão psicológica.

Ritual da madrugada



Augusta era fada.
Com varinha mágica tecia:
estrelas nas colchas
trepadeiras nas janelas.
Às três da manhã
penteava o cabelo
comprido, comprido...
passava o pente vagarosamente
e vagarosamente tecia a trança.
_ Trança de fada.
 ( Canção da menina descalça - Iêda Dias)

Retrato



"Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
Em que espelho ficou perdida a minha face?"

Cecília Meireles


O tema do texto é


(A) a consciência súbita sobre o envelhecimento.
(B) a decepção por encontrar-se já fragilizada.
(C) a falta de alternativa face ao envelhecimento.
(D) a recordação de uma época de juventude.
(E) a revolta diante do espelho.

REMÉDIO NO CÉU É SEMPRE MAIS BARATO



E deu-se que o capitão Nicolino Borba, de Sacopé de Monte Verde, sentiu uma agulhada no peito, caiu e dado como morto foi. Quando era levado paro o cemitério, eis que o capitão dosabrochou por entre flores e grinaldas aos berros e já fazendo inquirições. Como era muito usurário, de não dar bom dia para não gastar o solado da língua, logo entrou de perguntativo em pauta:
- Que negócio é este? Que despautério é este? Enterro de primeira com caixão de veludinho e um jasmim de rosas por cima, é para estuporar. É despesa muita para um defunto só. Desperdício!
Correu gente, veio médico de maleta na mão e no caixão mesmo examinou o usurário. Logo na primeira ouvida que aplicou na armação dos peitos de Nicolino, viu que andava bem vivo e em bom estado de uso. E aproveitou para falar dos perigos que o capitão corria. E com autoridade de receitador de poções:
- Desta vez o capitão escapou. Mas lhe digo que não vai muito longe se não fizer tratamento urgente, como requer sua doença. É o que lhe digo. Não vai muito longe. Bem encastoado no veludo do caixão, Nicolino perguntou:
- Se não é falta de respeito, doutor, em quanto fica essa medicina?
O médico, rapidinho, colocou a mazela de Nicolino na máquina de somar e apresentou a conta:
- Oitocentos contos para um tratamento completo.
E Nicolino:
- Toca o enterro, minha gente. Por esse preço prefiro morrer, que remédio no céu é mais barato.

José Cândido de Carvalho

A cidade do Óbvio

É fácil localizar a cidade do óbvio. Ela fica exatamente onde você esperasse que ela ficasse, e inclusive, está identificada no mapa pela palavra "Óbvio". Quem for de carro deve seguir as indicações na estrada até chegar aonde quer ir: é Óbvio. Pode-se ir de ônibus, tendo o cuidado de pegar um ônibus que não vá para outro lugar, ou de trem, desde que se desça na estação certa. O nome da cidade, Óbvio, está escrito na estação com letras. Se o nome na estação for outro, não é Óbvio. É claro.
Em Óbvio tem uma praça central onde fica a igreja matriz e a prefeitura. A igreja é usada pra missas, enquanto a administração da cidade se concentra convenientemente na prefeitura.
Apesar de certa mesmice, as casa de Óbvio, todas feitas com material de construção, se distinguem por certos detalhes arquitetônicos, como janelas e portas que abrem e fecham. Existem ruas. A cidade é cheia de lugares comuns.
Em Óbvio conversa-se pouco. Primeiro, porque desde a fundação da cidade ninguém jamais teve um pensamento original e os assuntos se repetem. Segundo, porque as pessoas não precisam dizer nada. Em Óbvio, está tudo na cara.
Óbvio fica logo depois de Evidente para quem vai a Redundância.
Os principais produtos da região são os truísmos e as coisas feitas ali mesmo. Quando a temperatura baixa, faz frio, mas os termômetros sobem quando esquenta.
E Óbvio tem uma peculiaridade quanto ao clima, lá só chove no molhado.

Autor: Luís Fernando Veríssimo.

ORAÇÃO SEM NOME



O autor desse poema, quem o sabe?
Foi encontrado em pleno campo de batalha,
no bolso de um soldado americano desconhecido;
do rapaz estraçalhado por uma granada,
restava penas intacta esta folha de papel.

Escuta Deus:
Jamais falei contigo.
Hoje quero saudar-te. Bom dia! Como vais?
Sabes? Disseram-me que tu não existes,
E eu, tolo, acreditei que era verdade.
Nunca havia reparado a tua obra.
Ontem à noite, da trincheira rasgada por granadas,
vi teu céu estrelado
e compreendi então que me enganaram.
Não sei se apertarás a minha mão.
Vou te explicar e hás de compreender.
É engraçado: Neste inferno hediondo
Achei a luz para enxergar o seu rosto.
Digo isto, já não tenho muita coisa a te contar:
Só que... que... tenho muito prazer em conhecer-te.
Faremos um ataque à meia-noite.
Não sinto medo.
Deus, sei que tu velas...
Ah! É o clarim! Bom Deus, devo ir embora.
Gostei de ti... vou ter saudade... quero dizer:
Será cruenta a luta, bem o sabes,
E esta noite pode ser que eu vá bater-te à porta!
Muito amigo não fomos, é verdade.
Mas... sim, estou chorando!
Vês, Deus, penso que já não sou tão mau.
Bem, Deus, tenho que ir.
Sorte é coisa bem rara:
Juro, porém: já não receio a morte.
                    “As mais belas orações de todos os tempos”

ALPHEU TERSARIOL

O torcedor



No jogo de decisão do campeonato, Eváglio torceu pelo Atlético Mineiro, não porque fosse atleticano ou mineiro, mas porque receava o carnaval nas ruas se o Flamengo vencesse. Visitava um amigo em bairro distante, nenhum dos dois tem carro, e ele previa que a volta seria problema.
O Flamengo triunfou, e Eváglio deixou de ser atleticano para detestar todos os clubes de futebol, que perturbam a vida urbana com suas vitórias. Saindo em busca de táxi inexistente, acabou se metendo num ônibus em que não cabia mais ninguém, e havia duas bandeiras rubro-negras para cada passageiro. E não eram bandeiras pequenas nem torcedores exaustos: estes pareciam terem guardado a capacidade de grito para depois da vitória.
Eváglio sentiu-se dentro do Maracanã, até mesmo dentro da bola chutada por 44 pés. A bola era ele, embora ninguém reparasse naquela esfera humana que ansiava por tornar a ser gente a caminho de casa.
Lembrando-se de que torcera pelo vencido, teve medo, para não dizer terror. Se lessem em seu íntimo o segredo, estava perdido. Mas todos cantavam, sambavam com alegria tão pura que ele próprio começou a sentir um pouco de flamengo dentro de si. Era o canto? Eram braços e pernas falando além da boca? A emanação de entusiasmo o contagiava e transformava. Marcou com a cabeça o acompanhamento da música. Abriu os lábios, simulando cantar. Cantou. Ao dar fé de si, disputava à morena frenética a posse de uma bandeira. Queria enrolar-se no pano para exteriorizar o ser partidário que pulava em suas entranhas. A moça, em vez de ceder o troféu, abraçou-se com Eváglio e beijou-o na boca. Estava batizado, crismado e ungido: uma vez Flamengo, sempre Flamengo.
O pessoal desceu na Gávea, empurrando Eváglio para descer também e continuar a festa, mas Eváglio mora em Ipanema, e já com o pé no estribo se lembrou. Loucura continuar flamengo a noite inteira à base de chope, caipirinha, batucada e o mais. Segurou firme na porta, gritou: "Eu volto, gente! Vou só trocar de roupa" e, não se sabe como, chegou intacto ao lar, já sem compromisso clubista.

(ANDRADE, Carlos Drummond. De conto em conto, v. 2. São Paulo: Ática, 2001.)

O segredo da felicidade



Certo mercador enviou seu filho para aprender o segredo da felicidade do homem mais sábio do mundo. O menino vagou pelo deserto por 40 dias, e finalmente chegou a um belo castelo, no alto de uma montanha. Foi aí que o sábio morava.
Ao invés de encontrar um homem santo, porém, nosso herói, ao entrar na sala principal do castelo, vi um ramo de atividade: comerciantes entravam e saíam, pessoas conversavam pelos cantos, uma pequena orquestra tocava melodias suaves, e havia uma mesa coberta de pratos de comida mais deliciosa que parte do mundo. O homem sábio conversava com todos, eo rapaz teve que esperar duas horas antes que era sua vez de ser dada a atenção do homem.
O sábio ouviu atentamente a explicação do menino porque ele tinha chegado, mas disse que ele não teve tempo apenas depois de explicar o segredo da felicidade. Sugeriu que o rapaz olha em volta do palácio e retornar em duas horas.
"Entretanto, quero lhe pedir para fazer alguma coisa", disse o sábio, entregando ao rapaz uma colher de chá que segurava duas gotas de óleo. "Como você anda, carregue esta colher sem deixar que o óleo seja derramado".
O rapaz começou a subir e descer as escadarias do palácio, mantendo sempre os olhos fixos na colher. Depois de duas horas, retornou para o quarto onde estava o sábio.
"Bem", perguntou o sábio, "você viu as tapeçarias da Pérsia que estão na minha sala de jantar? Viu o jardim que levou o mestre jardineiro dez anos para criar? Reparou nos belos pergaminhos de minha biblioteca? "
O rapaz, envergonhado, confessou que não tinha nada observado. Sua única preocupação era não derramar as gotas de óleo que o Sábio lhe havia confiado.
"Então vá para trás e observar as maravilhas do meu mundo", disse o sábio. "Você não pode confiar num homem se não conhece sua casa".
Aliviado, o rapaz pegou a colher e voltou para sua exploração do palácio, desta vez reparando em todas as obras de arte nos tectos e nas paredes. Viu os jardins, as montanhas ao redor, a beleza das flores, o requinte com que tudo tinha sido selecionada. Ao voltar para o sábio, relatou pormenorizadamente tudo que havia visto.
"Mas onde estão as duas gotas de óleo de lhe confiei?" perguntou o sábio. Olhando para a colher, o rapaz viu que o óleo foi.
"Bem, só existe um conselho que lhe posso dar", disse o mais sábio dos sábios. "O segredo da felicidade é ver todas as maravilhas do mundo e nunca esquecer as duas gotas de óleo na colher."

Paulo Coelho in, O Alquimista.RJ, 1992

O PÁSSARO CATIVO



Armas, num galho de árvore, o alçapão.
E, em breve, uma avezinha descuidada, batendo as asas cai na escravidão.

Dás-lhe então, por esplêndida morada, a gaiola dourada.
Dás-lhe alpiste, e água fresca, e ovos, e tudo.

Por que é que, tendo tudo, há de ficar o passarinho
mudo, arrepiado e triste, sem cantar?

É que, criança, os pássaros não falam.
Só gorgeando a sua dor exalam, sem que os homens os possam entender.
Se os pássaros falassem,
talvez os teus ouvidos escutassem este cativo pássaro dizer:

"Não quero o teu alpiste!

Gosto mais do alimento que procuro na mata livre em que a voar me viste.
Tenho água fresca num recanto escuro.

Da selva em que nasci; da mata entre os verdores,
tenho frutos e flores, sem precisar de ti!

Não quero a tua esplêndida gaiola!
Pois nenhuma riqueza me consola de haver perdido aquilo que perdi...
Prefiro o ninho humilde, construído de folhas secas, plácido, e escondido.

Entre os galhos das árvores amigas...
Solta-me ao vento e ao sol!
Com que direito à escravidão me obrigas?

Quero saudar as pompas do arrebol!
Quero, ao cair da tarde, entoar minhas tristíssimas cantigas!

Por que me prendes? Solta-me, covarde!
Deus me deu por gaiola a imensidade!
Não me roubes a minha liberdade...

QUERO VOAR! VOAR!..."

Estas coisas o pássaro diria, se pudesse falar.
E a tua alma, criança, tremeria, vendo tanta aflição.
E a tua mão, tremendo, lhe abriria a porta da prisão...

Olavo Bilac

O mineirinho



O mineirinho se chega pro chefe da estação, com aquela calma que Deus lhe deu, palitinho no canto da boca canivetinho limpando as unhas,
Pergunta:
_ Moço, Expressojá passou
_  já, sim Senhor
_ É o trêm do suburguio?
_ Passou às 8:30
_ É o trêm da carga!
_ Só passa à meia noite
_ Quer dizer que não tem nem um trêm agora?
_ Não Senhor
_ Nem manobrano?
_ Não _ Berrou o chefe, já inrritado
_ Por que? O Senhor vai viajar?
_ Não, quero atravessar a linha

Ziraldo

O medo do menino



Que barulho estranho,
vem lá de fora,
vem lá de dentro?!

Que barulho medonho
no forro,
no porão,
na cozinha,
ou na despensa!...

Será fantasma
ou alma penada ?
Será bicho furioso
ou barulhinho de nada ?

E o menino olha
na escura escada
e não vê nada.


Travesseiro
E olha na vidraça
e uma sombra o ameaça.

Quem se esconde ?
Esconde onde?

Se vem alguém passo a passo
Na rua deserta
O medo aumenta.


Passos de gente de casa
Encolhe o medo.

Se somem vozes e passos
De gente de casa,
No ato, no quarto,
Vem o arrepio .

E o menino encolhe,
Fica todo enroladinho.


E se embrulha nas cobertas,
Enfia a cabeça no travesseiro
E devagar, devagarinho,
Sem segredo,
Vem o sono .

E some o medo.

Elias José

O Lobo e o Cordeiro



Estava o cordeiro a beber água num córrego, quando apareceu um lobo esfaimado, de horrendo aspecto.
─ Que desaforo é esse de turvar a água que venho beber? ─ disse o monstro, arreganhando os dentes. ─ Espere que vou castigar tamanha má-criação!...
O cordeirinho, trêmulo de medo, respondeu com inocência:
─ Como posso turvar a água que o senhor vai beber se ela corre do senhor para mim?
Era verdade aquilo e o lobo atrapalhou-se com a resposta, mas não deu o rabo a torcer.
─ Além disso ─ inventou ele ─ sei que você andou falando mal de mim no ano passado.
─ Como poderia falar mal do senhor o ano passado, se nasci este ano?
Novamente confundido pela voz da inocência, o lobo insistiu:
─ Se não foi você foi seu irmão mais velho, o que dá no mesmo.
─ Como poderia ser seu irmão mais velho, se sou filho único?
O lobo, furioso, vendo que com razões claras não venceria o pobrezinho, veio com razão de lobo faminto:
─ Pois se não foi seu irmão, foi seu pai ou seu avô!
E ─ nhoque ─ sangrou-o no pescoço.

(Monteiro Lobato)

1. Qual a real intenção do lobo?

2. Como reage o cordeirinho diante das calúnias do lobo?

3. Quais as armas do lobo para se sair vitorioso?

4. Interprete o provérbio da fábula e escreva pelo menos duas outras frases que poderiam substituí-lo.

5. Se, de acordo com o ponto de vista do lobo, o forte sempre vence pois o mundo é dos espertos, como seria a história contada do ponto de vista do cordeiro??

6. Reescreva a história , criando um outro ponto de vista. Como o cordeiro poderia ganhar do lobo? Elabore então uma situação , um diálogo e a linha moral do final, pensando na perspectiva do cordeiro.